quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Uma companhia que foi ao fundo

Venho agora regularmente ao porto de Leixões, passei a vir desde que comecei a trabalhar no Madeirense 3. Sempre que cá estou olho e fotografo algumas actividades portuárias, alguns filmes como por exemplo a saída de um paquete ou a movimentação da ponte móvel que diga-se de passagem está avariada.
Vou também fotografando alguns navios, diga-se de passagem que fotografar o meu navio já enjoa.
Com o decorrer dos tempos um dos navios fotografados tem sido o Coimbra da Naveiro, ponho a foto na minha página do Facebook, a Jimmy The Sailor e faço um curto comentário sobre ele e sua companhia. Ás vezes publico as fotos de outros navios da mesma empresa que aqui estão “encalhado”.

Passado um certo tempo torna-se penoso ver três navios, o Coimbra, o Viseu e o Silves parados e a apodrecer aqui no porto de Leixões, o Chaves está em Lisboa.





A Naveiro que chegou a ser a maior companhia de navegação portuguesa, tinha 12 navios, está neste momento parada, falida, estropiada. Como foi possível chegar a esta situação, uma companhia que sempre teve cargas e fretes?

Eu trabalhei para a empresa que fazia o manning da Naveiro, era o superintendente e chefe de máquinas do Galp Marine e assisti a muitos episódios nessa empresa, episódios esses que são típicos de uma gestão deficiente que levou a companhia á situação em que se encontra agora.
Não vou dizer que estava profundamente dentro dos assuntos de gestão da Naveiro, apenas digo que assisti e vivi situações que para mim são um indicador muito forte de uma gestão deficiente.

Quando o director se queixava que queria fazer uma “escola” de comandantes e logo a seguir correu com um que já bastante farto de ter blackouts nos canais do Norte de Europa se atreveu a dizer que pararia o navio até se resolver a questão. Esse não era com certeza a tal “escola” de comandantes que el queria formar, se calhar uma escola de “lambe-cus” (uma expressão pouco bonita mas demonstrativa e realista da ideia a transmitir).

Quando me pediram para fazer uma “perninha” no Leiria enquanto arranjavam novo chefe de máquinas pois o russo que lá estava ía desembarcar e não havia ninguém. Era para ser 2 dias e foram 2 semanas, saí na Holanda. Fui apanhar o navio ao estaleiro em Viana do Castelo, estava em reparação. A máquina principal tinha 4 cilindros (em 6) a perder óleo pelas juntas. A companhia retirou as 4 cabeças e substituiu as juntas. Eu perguntei porque não fizeram as 6 cabeças e resposta foi: ordens da companhia. Uma nota, se o motor é de grandes dimensões é compreensível mas quando é do tamanho de uma máquina de costura não se compreende pois a probabilidade de acontecer ás outras 2 é muito grande. Quando começaram a montar as cabeças notei que elas assim como saíram assim como foram montadas, nem limpas foram. Ordens da companhia.
Quando me apercebi que tinha de navegar naquilo para o navio não parar fui ver o resto. Tinham reparado a máquina do leme mas não tinham reposto os níveis de óleo. Exigi óleo de reserva. Apareceu-me o superintendente com uma lata de óleo comprado no Lidl (não foi mas parecia). Perguntei-lhe se o óleo era compatível com o que estava no tanque, encolheu os ombros.

Quando na empresa de manning se falava da qualidade das tripulações o director da Naveiro dizia que sabia bem o que se pagava lá fora por isso não pagava mais. As tripulações eram normalmente do leste, com um grande grau de alcoolismo em cima, os chefes de máquinas, apanhei dois, nem inglês sabiam. Os manuais estavam todos em inglês mas isso são detalhes.

O tal navio Leiria era o tal que só fazia blackouts, também apanhei um, fui ver as causas, li a informação do quadro de alarmes, procurei e ao fim de meia hora tinha descoberto um cabo eléctrico enrolado sem estar apertado com a porca de aperto, cada vez que com a vibração o contacto se desfazia provocava a paragem do gerador, fixei a ligação e até ao fim das 2 semanas de navio não tive mais nenhum blackout.

Quando descobri que os geradores só saiam do quadro por inversão, filmei a operação para mostrar o que se passava, e relatei á direcção técnica. A resposta que tive é que era assim que a GL queria. Eu expliquei que a GL queria essa função porque era o testo de saída dos geradores por inversão e não era assim que os geradores saíam do quadro. O Director técnico insistiu e eu disse que mantinha o relatório e que o problema era dele. Uma nota, o quadro eléctrico em questão tinha os componente DEIF iguais ao do Galp Marine onde eu era chefe. Eu conhecia o equipamento.

Era uma companhia que segundo se dizia nos “mentideros” tinha uma belíssima equipe de brokers que mantinham um bom fluxo de cargas.

Uma companhia que chumbava regularmente os Port State Control por inoperância das tripulações e maus funcionamentos técnicos.

Posto isto tudo eu fico surpreendido quando o Direcção culpava as tripulações pelo mau funcionamento dos navios logo pela companhia. Ele como chefe é que mantinha esse nível de tripulantes, foi ele que foi eliminando as tripulações portuguesas para as substituir por tripulações mais baratas e pior qualidade. Como dizem os americanos: “ You pay peanuts, You get monkeys!!”

Direcção técnica??? Fazia burrada por medo da Direcção geral segundo todos dizem. É verdade, o CEO deveria ter corrigido essa situação mas como era um arrogante e prepotente ficou cego á realidade e a direcção técnica teve falta de espinha dorsal, era mais fácil dizer que sim e ter o ordenado no fim do mes.

Tenho pena, olho para estes navios aqui abandonados e só vejo desperdício, tão típico do nosso país que não sabe aproveitar os nossos valores.
É apenas mais uma companhia de navegação que se afundou....



País de marinheiros..... talvez como este aqui que toma conta de um dos navios da Naveiro

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Fotos do SAR de 16-9-13



Search & Rescue com a FAP

No dia 16 de Setembro de 2013 enquanto chegávamos a Lisboa fomos abordados por um helicóptero que pediu a colaboração do navio (M/V Madeirense 3) para a execução de um exercício SAR.

Peguei no iPhone e filmei (na outra mão estava a máquina fotográfica):


By: Jimmy the Sailor

sexta-feira, 19 de julho de 2013

sábado, 25 de maio de 2013

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Leões a bordo

Este leão vem no navio connosco. Transportamos um circo de volta para o Continente (não é o Continente do Belmiro).



Uma vez, na Horta, a jaula dos leões estava no cais e eu quis tirar uma fotografia. Um dos motorman, romeno, que estava comigo, tão curioso como eu, decidiu ajudar-me.
Foi levantar o taipal para eu poder fotografar e ele ver o bicho.
Levantou o taipal e espreitou.
Tinha a cara do leão colada á dele, a espreitar também. O homem apanhou um susto de tal modo que caiu no chão e ficou a arfar com as mãos no peito, estava lívido.
O que eu me ri com essa cena. Hoje fui fotografar outra vez os leões mas desta vez não tive a ajuda preciosa desse motorman (ajudante motorista em português).

PS. fiquei a saber que os leões castrados não têm juba...

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Vida de marinheiro...

Toda a gente sabe que a vida de marinheiro tem umas certas rudezas. Aquela imagem antiga do marinheiro "bon vivant" com uma namorada em cada porto cada vez mais pertence a um imaginário há muito passado.
Quem quer conhecer alguma coisa desta vida tem a tendência de perguntar quanto ganhamos e quando se apercebem que temos férias de um mês e meio depois de um embarque de 3 meses aí dispara a incompreensão, somos uns sortudos.
Muito recentemente deparou-se-me essa situação e a minha singela resposta foi que ás 17 quando alguém sai do emprego vai para casa e está com a família, nós vamos para o camarote e ficamos (no meu caso) com um alarme que a qualquer hora pode tocar, estou 24 horas de atenção e disponibilidade. Quando chega aos fins de semana, um trabalhador vai para casa e descansa dois dias, nós aqui continuamos na mesma rotina.
Mas estes casos e incompreensões já são rotina, já não respondemos nem ligamos. Só que há mais... há mais situações que se nos deparam e que temos de suportar, coisa que em terra as soluções sejam mais práticas.
No fim do embarque passado tenho a infelicidade de fazer uma chamada telefónica para casa e acabei por dizer as minhas últimas palavras á minha mãe no leito da morte, faleceu no dia seguinte, só quando o navio chegou a Lisboa consegui dar um salto e visitar a sua campa.
Já neste embarque o choque foi maior, enquanto navegava para os Açores recebi a pior chamada da minha vida, tinha morrido a minha neta mais nova. Não vou aqui descrever a dor que senti e sinto, as lágrimas que chorei e choro vou antes falar na decisão que tomei. Á chegada a Ponta Delgada podia ter apanhado o avião para Lisboa mas quando lá chegasse só iria encontrar a saudade, a cerimónia do enterro já teria acontecido. Como suporte da família decidi ficar a bordo até o navio chegar a Lisboa e eu poder abraçar o meu filho e a minha nora.
Não sou nem fui o herói desta história sem heróis apenas chamo a atenção da verdadeira dor da solidão que um marinheiro pode ter.
Agora, quando navego á noite olho para as estrelas e tento ver uma estrelinha brilhante lá no alto que me indique o caminho, o caminho da paz que a minha alma necessita.