Passou-se no navio Cabo Verde no ano de 1981 durante um embarque de 8 meses. Já lá estava há bastante tempo e como era natural num navio cheio de pessoas começam as guerras por motivos bem parvos. Eu tentei sempre manter uma postura de que não estava ali para me aborrecer com ninguém e que também não estava para aturar cretinóides que não sabem fazer mais nada na vida senão implicar com os outros.
E lá andava eu todo satisfeito da vida quando o radio-telegrafista, naquele tempo ainda havia pica-paus a bordo (pica-pau era um dos nomes que dávamos aos telegrafistas por causa do titi-tata do morse), resolveu meter-se comigo.
- Ouve lá ó Jimmy, tu nunca te chateias? Não te zangas??
- Não estou cá para isso!!, respondi eu. Estávamos á mesa a almoçar.
- Então vou-te fazer perder as estribeiras, vais-te zangar!! Vou fazer com que te chateies…
E assim começou uma saga incrível de quem não tem mesmo nada que fazer. Era ao almoço era ao jantar e a todos os momentos em que estava comigo, massacrava-me o miolo com as mais variadas cretinices. Confesso que algumas me irritaram não por me ofenderem mas por serem tão estúpidas que eu ficava danado por ele pensar que eu era um idiota para ligar á porcaria que ele debitava. Aquilo já cansava mas eu já tinha ligado o automático e já nem o ouvia.
Até que chegou o Sábado fatídico, lembro-me bem de ser Sábado á tarde, não havia trabalho e estávamos na messe a comer uma bucha quando estalou uma discussão sobre se a manteiga flutuava ou não. A discussão era entre o pica-pau e o piloto e aquilo já subia de tom quando resolveram tirar teimas e foram perguntar-me. Eu assistia placidamente á aquela interessante conversa.
Foi-me posta a questão pelo radio-telegrafista á qual eu respondi calmamente que a manteiga era uma gordura com densidade inferior á da água logo flutuava. Veio logo a resposta de ignorante.
- Como é que tu sabes??
Sorri merdosamente e fui buscar um copo de água e coloquei no seu interior um pedaço de manteiga e mostrei. A manteiga flutuava. O telegrafista ficou a olhar para aquilo e começou a esboçar uma teoria das mais parvas tentando contradizer o que estava a ver. Muito calmamente e ainda mais merdosamente despejei o conteúdo do copo dentro do bolso da camisa dele e disse-lhe para levar aquilo para o camarote e estudar para tentar perceber. O gajo ficou sem pinga de sangue a ver a sua camisinha branca de oficial com uma grande mancha de água e manteiga no bolso do peito, ainda hoje consigo ver a carinha de estupefacção dele. Então, danado, tirou a camisa e estendeu-ma dizendo que eu tinha que a lavar pois tinha-a sujo. Como sou um rapaz simpático e não estava ali para me chatear aceitei a camisa e coloquei-a no caixote do lixo dizendo que já estava a lavar. O gajo ficou vermelho que nem um tomate e disse-me que enquanto eu não lhe lavasse a camisa não me falava mais.
A partir desse dia o telegrafista nunca mais falou comigo, foi até ao fim do embarque, mais uns dois meses sem me dirigir palavra, foi um descanso.
Ele desembarcou em Leixões e para tal encostou o carro ao navio para carregar toda a sua bagagem. Como tinha comprado um sistema de som no Norte da Europa, tinha que fazer o carregamento rapidamente não fosse a Guarda Fiscal por lá passar. Eu estava ao portaló quando o vi, sozinho, carregar aquelas caixas todas e decidi ajuda-lo, fui a correr pegar numas e comecei a carregar o carro. Quando a operação acabou vim-me embora mas ainda ouvi um grunhido todo lixado de: “Obrigado!!”. Sentiu-se na obrigação de agradecer mas isso ia contra a promessa de não me falar mais…. Deu-me um gozo…
Jimmy the Sailor
Publicado na sexta-feira, 12 de Dezembro de 2008 11:52
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Uma gaivota disse: