quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O "cardume" de santolas

Agosto de 1984 - Burgau

Subia penosamente, a superfície estava ainda longe, a vontade de respirar era enorme e fazia uma força tremenda para manter a boca fechada mas a água já começava a entrar quando realizei : Bolas! Vou morrer...
Em 1984 depois de cerca de 5 anos de embarques em navios da marinha mercante tive as minhas primeiras férias decentes e resolvi retomar uma actividade que sempre me apaixonou, a caça-submarina. Peguei na família, no equipamento e parti para o Algarve, terra de águas quentes e límpidas o que para mim um africano era muito importante e essencial.
Comecei a caçar em várias zonas tais como D.Ana, Praia da Luz e finalmente Burgau. Sendo um caçador mais entusiasta do que com experiência e juízo lá apanhava um polveco, ás vezes um linguado mas mais nada do que isso.
Um dia resolvi ir caçar mais fundo e quando me deslocava para o sítio escolhido, passando sobre um areal enorme reparei que estava coberto de "coisas" castanhas de forma arredondada. Mergulhei para ir ver o que era. A apneia foi longa, compensei bem mas já tinha a cabeça a estalar, era muito fundo, demasiado fundo, tenho que lá voltar para verificar a profundidade. Quando cheguei ao fim do mergulho, com a espingarda levantei a "coisa". Era uma santola enorme e todas as outras "coisas" eram santolas. Subi. É preciso fazer um pequeno parênteses. Eu tenho azar aos caranguejos e afins, sempre que me encontro com eles sou mordido e isto desde criança em Moçambique. Um dia ia dando um tiro no pé com uma caçadeira devido a ter sido mordido por um caranguejo do lodo quando caçava descalço. Por isso não estranhem muito o que se passou a seguir.
Subi sem nenhuma santola na mão e voltei a terra para apanhar um saco e trazer uma ajuda que era o meu irmão mais novo de 12 anos e que nunca tinha mergulhado na vida. Como não tinha um saco de rede resolvi utilizar um de nylon para apanhar o bicho.
Voltei ao areal (submarino) e voltei a dar com o "cardume" de santolas, só que entretanto a maré tinha subido e estavam mais fundo e, de dar tanto á barbatana, tinha os artelhos magoados e por isso resolvi tirar as borrachas que ajustam as barbatanas porque me estavam a magoar.
Parei para ventilar e descansar um pouco, espingarda numa mão e saco noutra comecei a descida, compensação dos ouvidos até que cheguei ao fundo. Para o bicho não me morder utilizei a espingarda para o empurrar para dentro do saco. As santolas algarvias são muito pouco cooperativas e á 4ª tentativa já com falta de ar decidi abortar a operação e subir. Pés no chão e dei um grande impulso e imediatamente se me descalça uma barbatana e eu fiquei sem metade da propulsão, começo a nadar mas noto que não subo e reparo no saco de nylon aberto como um para-quedas, faço uma bola com ele e continuo a subir lentamente (só mais tarde me lembrei que tinha no cinto 1,5 Kg de chumbo a mais). Começo a ficar aflito, cerro os dentes e recomeço a subida.
Subia penosamente, a superfície ainda estava longe, a vontade de respirar era enorme e fazia uma força tremenda para manter a boca fechada mas a água já começava a entrar quando realizei : Bolas! Vou morrer...
Lutava desesperadamente para não abrir a boca quando reparo no meu irmão por cima de mim e lembrei-me : "Se ele vem cá abaixo ajudar-me morremos os dois!!". Foi este pequeno alento que permitiu resistir mais uns segundos.
Quando cheguei á superfície arranquei a máscara e aspirei sofregamente. O ar queimava ao entrar mas era doce. Estava salvo. O meu irmão apareceu ao meu lado e eu disse-lhe que estava extenuado e que precisava de ir para terra rapidamente. Passei-lhe o saco e comecei a nadar em direcção a terra.
Já estava perto do descanso quando me apercebo de dois olhos enormes a olhar para mim do cimo de uma rocha, era um polvo bem grande. Não resisti, tinha perdido uma barbatana, não tinha apanhado santolas mas aquele polvo iria comigo e por isso disparei.
Como estava extenuado decidi rebocar o polvo para terra o que se mostrou um erro pois mal o cabo o permitiu ele agarrou-se a tudo o que era pedra e se ele fazia força. Já estava quase a seco numa praia de calhaus do tamanho de bolas de futebol quando dei o último puxão ao polvo e ele soltou-se fugindo e eu desequilibrando-me ponho o pé num buraco e caio quase partindo uma perna.
Decididamente não era o meu dia. Fiquei a descansar um bocado ao sol de Verão e resolvi voltar á praia aonde se encontrava a minha mulher. Já não tinha coragem para ir a nado e por isso fui por terra fazendo um bocado de alpinismo. Quando cheguei ao pé da minha mulher depois de 1/2 hora de caminhada descalço pelas rochas ardentes e cortantes o suor escorria-me em fio pelas pernas abaixo (estava com o fato de borracha vestido) . Cansado, desmoralizado, farto de acidentes e asneiras disse á minha mulher: "Não mergulho mais, vou vender o equipamento ....." E foi verdade até 1994, ano em que recomecei com companhia mais experiente e com mais calma.
Por: Jimmy

Publicado no SOL no sábado, 5 de Julho de 2008 18:10

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