quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Um valente susto

Estava já há uns meses no Cabo Verde e era mesmo um veterano, de tal maneira que me deixaram só no fim da manobra de saída do Elba na Alemanha.
Já tinha sido dado o fim de manobra, tinha passado o consumo para fuel e parado um gerador pois fazíamos sem as manobras com os três geradores BERGEN de 3 cilindros, para arrancarem tinham de ser postos em ponto para o ar de arranque fazer efeito.
Estava tudo a correr bem e comecei a preencher a folha com os parâmetros da máquina numa pequena secretária alta a ré da máquina do lado de bombordo.
De repente achei que algo estava errado e olhei para o outro lado da maquina principal, para o lado estibordo e achei que estava um bocado enevoado, até pensei que fossem os meus olhos com o cansaço mas fui dar uma volta para investigar. Mal passei para o lado estibordo e comecei a andar para vante reparei que estava tudo coberto de uma nuvem branca espessa, a parte de vante era só névoa branca e cada vez mais espessa.
Corri imediatamente para ver o que se passava e, já no meio daquela fumarada toda vi que o gerador tinha um tubo de diesel seccionado e espirrava combustível para cima do colector de evacuação. O perigo de incêndio era enorme, parar imediatamente o gerador era a solução mas tive medo de provocar um blackout, um só gerador não aguentaria a paragem do outro assim de emergência. O blackout estava fora de questão, estávamos á saída do Elba á noite com muito tráfego, pelo menos eram esses os dados que eu tinha na cabeça.
Corri para o quadro eléctrico que naquele navio não estava em nenhuma sala de controlo e naquele preciso momento já começava a estar coberto de névoa branca. Pus um alarme a soar para pedir ajuda e já no quadro eléctrico fui tirar o gerador do quadro. Antes do abrir o seccionador fechei os olhos, normalmente um seccionador ao abrir faz uma faísca o que naquela altura podia ser o que faltava para fazer de ignição á aquela mistura de vapor de diesel e ar que começava a saturar a casa da máquina.
O gerador saltou do quadro sem causar nenhuma explosão e imediatamente fui pará-lo e fechar a válvula de combustível acabando assim com a fuga, a ventilação faria então a sua parte.
Com o gerador fora do quadro o outro começou a não aguentar a carga notando-se nas luzes que começaram a baixar de intensidade e os motores eléctricos com ruído diferente.
Lancei o gerador de reserva muito rapidamente e á mão baixei-lhe a frequência de modo a igualar o outro. O frequencímetro não marcava nada, o sincronismo foi feito exclusivamente pelas lâmpadas de fase e quando se apagaram corri do gerador para o quadro para fechar o seccionador. Entrou á primeira e então foi só acertar a frequência para os 60 hertz e distribuir as cargas.
Os alarmes não tinham parado de tocar e ninguém tinha aparecido.
Estabilizei a instalação, substituí o tubo partido por um novo e esperei ser rendido.
Ainda hoje revejo os meus passos na resolução deste caso e cheguei á conclusão que todos nós tivemos muita sorte, se se tem iniciado um fogo / explosão muito provavelmente o navio perder-se-ia. Eu morreria de certeza, a bola de fogo não me pouparia. Mais tarde e analisando a situação o que deveria ter sido feito era isolar logo o combustível, parar o gerador, se tivesse blackout a ponte tomaria conta da parte da navegação e só depois lançaria o outro gerador. Eu arrisquei-me também a causar uma grande avaria eléctrica com o grande abaixamento da frequência, podia ter queimado uma data de motores mas esse tinham back-ups. Para um veterano de meses de marinha até que me portei bastante bem mas nunca mais deixei de fazer simulações para casos semelhantes noutros navios para saber o que fazer na altura devida.
E estava-se nos finais de 1979, o meu filho já tinha nascido…..

Jimmy

PS. Este caso encerrou um ciclo de seis casos que tive nos meus primeiros seis meses de marinha, incluindo neles um lance de escadas de uma só vez aterrando sobre um cotovelo, doeu muito. E uma inspecção que fiz sozinho ao ar de lavagem da máquina principal 15 minutos após a paragem do motor. Entrei por uma pequena abertura e quando estava lá dentro na outra extremidade comecei a sentir-me muito tonto, consegui sair com uma certa dificuldade e só cá fora dei pela minha estupidez…

Jimmy 

Publicado no SOL no domingo, 24 de Agosto de 2008 21:46

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Uma gaivota disse: