sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Operação de bancas

Uma operação de bancas consiste no abastecimento de combustível ao navio, normalmente aquela maravilhosa substancia negra que dá pelo nome de fuel, e é normalmente precedido de muitas regras e verificações de segurança.
Como chefe de máquinas indigitado para o novo navio a sair do estaleiro aqui na China eu tinha que acompanhar a operação embora toda a responsabilidade fosse do estaleiro.
È preciso notar que cheguei ao estaleiro na 3ª feira, apanhei uma instalação em construção e que até hoje tem estado coberta de protecções por causa das pinturas e os diagramas e desenhos disponíveis não estavam actualizados, tinham sofrido algumas alterações de fundo.
Cheguei ao navio e diz-me o Mr. Feng, a "avis rara" chinesa que sabe falar inglês, que íamos ter embarque de fuel, 200 toneladas.
Vi as quantidades existentes, calculei a distribuição pelos tanques, fui buscar a falange para as amostras, procurei e encontrei uma fita de sondar e fui tratar de abrir as válvulas para se iniciar o embarque.
Preparei um tanque para iniciar a recepção, manobra essa efectuada pelo pessoal chinês pois como o navio ainda não foi entregue eu não mexo em nada, sou como que um observador. Só que aqui na China isso não é bem verdade.
E fui ao manifold de EB ver a ligação da mangueira, manifold é um conjunto de válvulas que distribui para diversos destinos. Quando vi a ligação nem quis acreditar, mangueiras presas por arames em vez de abraçadeiras metálicas e do lado de terra uma data de camiões carregados de fuel á espera. As ligações foram feitas e foi dada a ordem de início.


Como era a 1ª operação do navio eu estava bastante atento á pressão, se sobe demasiado pára-se e investiga-se. A pressão subiu devagar até quase a achegar aos 2 bar quando ouvi um grito. Do lado de terra a mangueira tinha-se separado e fazia um chuveiro de fuel pelo cais fora. Aqui o menino saca logo da máquina fotográfica e começos e registar o acontecimento, especialmente para todas as ligações que aquela gente utilizava.


Drama, toda a gente a correr, limpeza, mas não se gritava e que eu saiba ninguém foi preso.

 
Muito calmamente declarei ao Sr. Feng que se a operação estivesse á minha responsabilidade com aquele equipamento eu suspenderia imediatamente. Não me ligou nenhuma e a operação continuou mas com a variante de se terem aberto os tanques todos por segurança.
Começou-se a bombar e o fuel a entrar num dos tanques, o outro nada, insistiu-se, viu-se, tentou-se e nada. Até que se chegou á conclusão que na montagem tinham posto uma junta cega e que não a tinham tirado e lá se resolveu a questão. Mas entretanto por causa dessas andanças fui obrigado a descascar a instalação e descobri um grave erro de desenho que foi prontamente comunicado mas também se descobriu que uma válvula, daquelas mais escondidas, das mais inacessíveis estava com fuga.


E o embarque continuou, tinha começado ás 10 da manhã e já eram uma 15 e nem á metade tínhamos chegado. Entretanto por segurança tinha posto o 3º maquinista, um russo, a tomar conta das sondagens, os chineses tinham-se pirado todos. Estava o camarada russo a sondar quando o vejo sair aos gritos para parar tudo e fiquei a saber que os chineses não sabem o que é pára, stop e o gesto de parar / fechar na gíria de bordo/operações.

 
Tinha sido uma bolsa de ar que fez sair pela sonda uma golfada de fuel que, como se diz em bom português, cagou aquela m**** toda. Havia a duvida se o tanque estivesse cheio ou não, a fita de sondar sujava-se logo á entrada mas chegou-se á conclusão com o sistema de monitorização dos tanques que aquilo ainda estava a meio.
Resumindo e concluindo, a operação acabou pelas 20 horas com o navio a ficar constantemente sem iluminação, o sistema de monitorização tinha sido desligado e o técnico tinha-se ido embora sem dizer nada, aconteceram três golfadas de fuel pela sonda, indicador de mau desenho da sonda, os chineses que lá estavam não percebiam nada do que eu dizia, o responsável deles, o tal Mr. Feng tinha-se pirado e quando já no fim quis acabar e pôr que faltava no último tanque descubro que está cheio e quando quero verificar a sonda reparo que ela está desmontada pois estão uns chineses todos contentes a repará-la. Como sou um rapazinho cuidadoso pus em acção as minhas reservas e pus o que faltava nelas.
Para terminar, quando foram desligar as mangueiras do último camião fizeram mais uma cagada de fuel.
Vim-me embora para o hotel, o combustível já lá estava dentro que era o que me interessava, amanhã é só fazer o balanço das quantidades e fazer os relatórios.
Não quero deixar de prestar homenagem ao meu camarada o 3º maquinista russo que sem ele as coisas teriam sido piores.
Felizmente aquilo era tudo da responsabilidade do estaleiro… felizmente para mim pois quando existem estas cagadas os chefes de máquinas ficam normalmente detidos e se forem considerados culpados vão de cana.

Jimmy the Sailor

Publicado no SOL na sexta-feira, 12 de Setembro de 2008 16:11

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Uma gaivota disse: