Estar doente a bordo é uma das coisas que o marujo não gosta, especialmente quando a maleita é daquelas bem desagradáveis, daquelas que deixa num cantinho uma simples gripe das galinhas. Estou a falar de uma mera cólica renal.
Embarquei, agora estou num porta contentores a fazer a carreira dos Açores, agora navego outra vez e até me afasto da costa. Como dizia, embarquei vindo de férias, segui para Leixões e depois a caminho de Ponta Delgada. No meio do oceano, acordei com uma vontade de mictar muito grande, acho muita piada á palavra mictar, e lá fui despejar águas á casa de banho. Só que não havia meio de mictar, estava preso. Sentei-me para relaxar e comecei a sentir uma certa dor / pressão na parte de baixo da bexiga, a dor aumentava mas como ela, a dor, é uma maricas trouxe como companhia a sua amiga a Náusea. Estava surpreendido, já tinha tido alguns maus bocados mas dessa maneira nunca. A dor até se suportava bem mas a náusea era terrível. De repente estava a sonhar e a acordar sem me lembrar onde estava e com uma certa dores de cabeça. - Bolas além das dores na bexiga e da náusea tenho dores de cabeça, isto está mau!! Só passados uns minutos me apercebi que estava deitado no chão da casa de banho, um cubículo minúsculo, todo torcido. Não tinha forças para me levantar, estava meio tonto e com dores de cabeça. Fiz um esforço enorme e levantei-me, estava todo molhado e apercebi-me então que me tinha mictado todo... olhei para o espelho e por cima do olho direito estava pousado o Galo de Barcelos.
O navio continuava a navegar e eu arranjei-me, fui tomar o pequeno almoço, e fui para a casa da máquina mas depressa voltei para o camarote, estava ainda todo abananado. Felizmente a crise foi curta pois não tive mais dores e consegui fazer a minha vida normalmente. Em S.Miguel falei com a minha médica em Lx e expliquei-lhe o sucedido, aconselhou-me a ir ao hospital fazer uma eco renal.
Lá fui eu chatear os senhores doutores do hospital de S.Miguel. O atendimento foi perfeito, o sistema funcionou na perfeição, as pessoas simpátiquíssimas mas por mais que dissesse que estava embarcado e que queria uma eco apenas tive direito a um Rx e umas análises e como não tinha patologia que justificasse não ia fazer a ecografia. Os exames não mostraram nada. Muito calmamente expliquei tinha não tido nenhum ataque de loucura e dado uma cabeçada na antepara e posto o meu olho direito todo negro, tinha desmaiado com uma dor localizada na bexiga mas foi inútil... eles tinham cumprido com o processo e assim mandaram-me de volta para o mar.
Só que sou teimoso e no Faial fui ao hospital outra vez, fui atendido por clínicos espanhóis, simpáticos e eficientes. e o resultado da eco foi simples:
- Pedras nos dois rins sem inflamação das vias
- Pedra na próstata ou na uretra prostática, a tal desgraçada que me tinha atirado para o chão.
Fui receitado e avisado que quando ela, a pedra, sair aquilo iria doer e para isso tenho as drogas receitadas. Vou fazer o meu embarque de 3 meses com a espada de uma cólica renal em cima da minha cabeça. Pode ser que ela saia um dia destes....
Os médicos de Ponta Delgada deveriam ser formados em não mandar para o mar um doente sem terem a certeza absoluta, nós não temos a ambulância dos bombeiros ali ao lado e se estamos no meio do oceano temos que aguentar e rezar que aguentemos. Infelizmente já tive muitos casos a navegar.... esforço a mais....
Agora sorrio e digo: A dor é sinal que estamos vivos.... e seja o que Deus quiser!!!!
PS. conto este caso pessoal para quem ler esta narrativa se possa aperceber-se de quanto vulneráveis estão os marinheiros fechados num navio no meio do oceano.
18 de Agosto de 2011, Horta e com uma leve dor....
Publicado no SOL na quinta-feira, 18 de Agosto de 2011
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Uma gaivota disse: