Anteriormente tinha sido feita uma inspecção aos aros dos êmbolos da máquina principal, inspecção essa feita por mim e pelo 1º maquinista (eu nessa altura estava como estagiário por ter regressado ao mar e estar a renovar as certificações) e tinha sido detectado no cilindro nº 1 que o embolo tinha três aros partidos em quatro, era mau mas como íamos para a doca dava para aguentar.
Na docagem o superintendente entendeu que os cilindros a descarbonizar eram outros 3 que agora não me recordo bem (2, 4 e 5 acho eu) e que o número um não era necessário e assim se fez.
De volta ao teatro de operações no Golfo do México, um dia e como sempre a lei de Murphy tem sempre razão, numa altura péssima, o cilindro 1 rebenta o 4º aro e começam a passar gases para o cárter fazendo disparar as válvulas de segurança.
Inspeccionou-se o cilindro e confirmou-se o diagnóstico tendo-se iniciado uma reparação de emergência pois vinha um tornado a caminho.
A substituição de um embolo é uma operação de rotina, faz-se bem em 6 a 8 horas de trabalho com uma tripulação minimamente treinada.
Estado da janelas de lavagem totalmente cobertas de óleo devido á passagem pelos aros
Tirou-se a cabeça para aceder ao embolo...
Estado da camisa já com marcas de verticais de gripagem
Um dos ajudantes romenos desengata o gato da grua do conjunto válvula de evacuação / cabeça.
Este romeno não dava uma para a caixa em inglês, dávamos uma ordem e ele só sorria...
O embolo já cá fora, vê-se na sua base a caixa de estofo que faz a vedação entre o cárter e a câmara de ar de lavagem, em 1º plano a válvula de evacuação agarrada á cabeça.
Pormenor do embolo (pistão para os gajos de terra) onde se pode ver o mau estado em que se encontrava.
Pormenor dos aros partidos...
Pormenor da camisa da máquina e, depois é que foi visto, a peça que fixa a caixa de estofo tinha sido danificada durante a extracção do embolo e o nosso camarada 1º maquinista romeno, viu e calou-se bem caladinho. Esse pequeno detalhe podia ter causado graves danos ao navio. O 1º maquinista que tinha inspeccionado a maquina comigo tinha sido corrido na docagem. Este, com este erro enorme ficou, era romeno e por isso intocável. Era a política dessa empresa... um dia em discussão no escritório viraram-se para mim e disseram apenas: Amigo, romenos há muitos....
Pormenor da peça danificada, a foto foi tirada depois durante a sua substituição. Devido ao tornado e á falta de aviso do 1º maquinista, foi tudo montado para fugirmos dali.
A montagem da máquina foi mesmo feita de aflitos, o navio começou a balançar e faltava por a cabeça, uma peça com algumas toneladas de peso. Suspendeu-se a peça e com o rolo do navio ela ia de um lado a outro. Bem que tínhamos cabos a segurar mas a massa era enorme.
O balanço a piorar e as pessoas começaram a bloquear, lembro-me de ter pegado no comando da grua, elevar a cabeça, o pessoal a segura-la de aflitos e... quando estava apontada aos pernos, deixei-a cair para que uma vez guiada pelos pernos já não causaria estragos. Arrisquei-me a partir um mas, ou era naquela altura ou nunca. O chefe agradeceu-me essa atitude (ainda hoje estou inchado).
O resto da montagem já foi mais rotineira mas teve de ser rápida pois o tornado estava em cima de nós. Era engraçado ver o comandante aos saltinhos á nossa volta, sempre a perguntar se não podia ser mais rápido. Era um bocado ridículo e só empatava.
Esta foto foi tirada no fim dos trabalhos onde o mecânico filipino dançou de contente.
Epilogo:
Fomos embora a fugir ao tornado mas ainda assim apanhámos uma boa cacetada. o pior foi que com aquela peça danificada a caixa de estofo não vedou bem passavam-se gases para o cárter fazendo disparar as válvulas de segurança outra vez. Fizemos o tornado todo a Muito Devagar... mas tínhamos máquina que era o que importava.
Depois fez-se as devidas inspecções para saber o que se tinha passado e descobriu-se a peça danificada (foto 9) e pensou-se que tinha sido feita na montagem apressada. Após análise das fotos eu vi uma em que estava o 1º maquinista a apertar essa peça durante a desmontagem e ela já estava estragada. Ele viu e não disse nada. Podia ter levado o navio a uma situação muito má. A companhia achou por bem mantê-lo a bordo... era estrangeiro....
Publicação no SOL na terça-feira, 24 de Fevereiro de 2009
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Uma gaivota disse: