A situação que vou descrever passou-se no mesmo graneleiro onde ocorreu a situação de blackout, como disse anteriormente era um navio bastante velho.
Havia uma operação que era a comunicação das duas caldeiras, uma caldeira auxiliar com queimador que produzia vapor quando o navio estava parado e outra, uma caldeira recuperativa que utilizava os gases de evacuação do motor principal para produzir vapor. O sistema era relativamente simples e sinceramente já não o posso descrever detalhadamente sei é que tinha bombas de circulação de água que ligava as duas caldeiras.
Numa dada situação era necessário lançar as tais bombas de circulação e comunicar a caldeira auxiliar o que era uma operação que todos odiavam uma vez que os martelos de água eram tremendos obrigando o pessoal a abrir e a fechar o sistema uma data de vezes até as temperaturas e pressões se estabilizassem e os ditos martelos acabassem.
O martelo de água é causado basicamente por um fluxo de vapor a uma dada temperatura e pressão no interior de um encanamento frio. O vapor condensa e causa vácuo. Esse fenómeno causa então picos de pressão enormes capazes de partir válvulas e / ou encanamentos. Existe um fenómeno similar em nossas casas quando a pressão de água baixa e depois é reposta, ás vezes os canos vibram….
Bem, estava de serviço e o 1º maquinista mandou-me comunicar a caldeira e, pelo meu ar de felicidade o chefe que estava presente disse-me:
- Vem comigo que te vou ensinar uma maneira que não dá martelos!!
E lá fomos. A caldeira estava num canto da casa da máquina e para chegar á válvula principal de vapor tinha que se subir por um lado e ir através de um estrado entre a caldeira e as anteparas (paredes nos navios).
Estava eu todo contente a abrir a válvula seguindo as ordens do chefe e a coisa até estava a resultar, tinha havido uns martelitos e mais nada, tinham acabado. O chefe finalmente deu por terminada a operação e gritou que eu podia abrir a válvula toda. Era uma válvula grandita com um volante largo. Rodeia de uma vez só abrindo-a totalmente e virei-me para me ir embora. O chefe também já estava a retirar-se quando o caso aconteceu. Uma pancada enorme nos encanamentos e todos eles começaram a martelar e a vibrar, aquilo tudo á minha volta fazia “bang” e saltava. Ouvia ao longe o chefe a gritar para eu sair dali imediatamente.
Só que para sair tinha que contornar a caldeira e naquela situação não me apetecia, voltei para trás e agarrei-me á válvula principal, fechei-a e tranquei-a com força. Virei-me e comecei a correr dali para fora quando ouvi mais pancadas, olhei para trás e não quis acreditar no que estava a ver. Com as pancadas a válvula abria-se sozinha. Corri novamente para ela e fechei-a, já tinha a adrenalina no máximo, ao longe o chefe berrava para eu me afastar.
Voltei a fechar a válvula mas mantive-me agarrado a ela até que veio a pancada. O golpe de pressão foi tão grande que os pernos do castelo da válvula distenderam provocando a ruptura da junta e uma fuga de vapor e água fervente que me atingiu na zona da barriga, por sorte a quantidade não foi grande por isso só apanhei uma escaldadela.
Sem nunca largar a válvula e mantendo-a sempre fechada fui aguentando as pancadas que começaram a diminuir de intensidade até que pararam.
Tranquei a válvula novamente, endireitei-me e afastei-me devagar e com a cabeça erguida, devia ter o coração a 200 mas mantive sempre a calma e comecei a descer as escadas saindo da zona da caldeira. Cá em baixo continuei a andar passando por um chefe de máquinas, pálido, que olhava para mim. Eu só lhe disse:
- Chefe, arranje outro melhor do que eu….!
E afastei-me para me ir sentar e fumar um cigarro… tinha sido um dia de sorte.
PS. Nunca hei-de esquecer a adrenalina daqueles momentos em que estava a agarrar a válvula, se ela se partisse vocês não estariam agora a ler este episódio.
Jimmy the Sailor
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Uma gaivota disse: