sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O 3º tem muita sorte

Estava no Joaquim Kapango da Angonave, já estava embarcado há já uns tempos, era o meu 2º contrato nesse navio. Não posso precisar mas em princípio estava a fazer a minha viagem a Luanda.
Foi uma cena banal, banalíssima mesmo. O 1º maquinista tinha dado ordens ao artífice para fazer umas trasfegas de óleo, passar óleo para a máquina principal que estava em bidões no convés para os tanques de serviço. O artífice é, basicamente, o mecânico de bordo, um mecânico mais generalista pois é também soldador e serralheiro. Um bom artífice é um homem multifacetado e com várias valências. O nosso artífice era o Pascoal, um angolano que já tinha trabalhado, se não estou em erro, nos antigos caminhos-de-ferro, sob a jurisdição portuguesa, como soldador. O Pascoal era até um artífice razoável, já tinha apanhado pior e até á data tinha resolvido os trabalhos que lhe tinham sido destinados.
O 1º maquinista, quando entrei de quarto ás 12:00, disse-me que tinha instruído o Pascoal de efectuar a trasfega do óleo mas para eu fazer supervisão do trabalho e que também tinha fechado a válvula do ar comprimido que accionaria a bomba portátil, tinha fechado o ar para obrigar o Pascoal a pedir-me o ar e assim eu saber que ele iria começar a manobra. Eu fiquei também de verificar as válvulas.
Uma nota, quando se faz trasfegas de combustível e/ou óleo as válvulas só são abertas na altura da manobra e imediatamente fechadas quando ela termina, procedimentos.
Entrei na casa da máquina, fiz as minhas inspecções e verificações, andei de um lado para o outro, vi e verifiquei. E comecei a estranhar que o Pascoal nunca mais me aparecia para iniciar a trasfega até que olho para o manómetro da garrafa de ar comprimido, estava todo em baixo, a pressão estava baixíssima. Pus o meu ajudante motorista a carregar as garrafas e fui investigar. Passei pelos tks de óleo e o nível era o mesmo, as válvulas estavam ainda fechadas e continuei a subir. Ao pé da porta de saída estava uma mangueira de ar ligada a uma boca e ia para o exterior. Segui a mangueira que saía pela porta para o convés. O convés começava nesse corredor lateral e ladeava o casario até desembocar na zona dos porões onde estavam os bidões. Ao pé da porta estavam as três entradas dos diferentes óleos e numa delas estava colocada uma mangueira. Só que não consegui por um pé no convés, ele estava coberto de óleo porque como o navio estava derrabado (proa mais alta que a ré) o óleo escorria para ré. Junto aos bidões estava o Pascoal a olhar sonhadoramente para o horizonte sonhando talvez com alguma pequena das suas relações, e atrás dele uma data de bidões e num deles a bomba a trabalhar. O convés coberto de óleo. Ele não podia ver de onde estava a cagada que estava a fazer pois o Sol estava de ré e cegava-o.
Apertei a mangueira interrompendo o ar e parando a bomba e fazendo com que o Pascoal reagisse. Como não conseguia ver aproximou-se até detectar a cagada.
Muito calmamente perguntei-lhe porque não me tinha avisado da manobra pois as válvulas não estavam abertas ao que ele retorquiu que sabia fazer a manobra mas tinha julgado que o 1º já a tinha preparado. Não valia a pena discutir, apenas refiz a manobra abrindo as válvulas, chamei o ajudante para ajudar a limpar a cagada e fui comunicar o facto ao 1º maquinista.
Ele olhou para mim, encolheu os ombros e foi falar com o Pascoal.
Este deu a mesma explicação que me deu e acrescentou, o que eu achei delicioso.
- 1º, ali o Sr. 3º tem muita sorte, se não fosse ele teriam ido os bidões todos, assim só foram três….
O facto de ele ser um inconsciente e irresponsável não tinha importância nenhuma, o que era espantoso era a minha sorte.
Olhamos um para o outro, encolhemos os ombros e o assunto ficou por ali. Não valia mesmo a pena….

Jimmy

Publicado no SOL na sexta-feira, 29 de Agosto de 2008 20:26

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