quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Blackout

Escrevo esta história na sequência do incidente com o paquete Silver Whisper na barra de Lisboa no passado dia 8 de Agosto de 2008. Foi um caso real.
É uma breve descrição de uma situação de blackout que me aconteceu no navio Fernão Lopes (acho eu que era esse o nome, a memória falha-me) da Portline quando subia a Orinoco a caminho de Puerto Ordaz, Venezuela.
O navio, um graneleiro de umas 50.000 tons, era bastante velho e tinha como unidades geradoras de electricidade dois geradores Huskvarna antigos com regulador de velocidade mecânico e um terceiro gerador uma máquina nova de grande capacidade de marca Lister e com regulador electrónico. Eles não eram compatíveis por isso ou trabalhavam os Huskvarna ou apenas o Lister.
Na altura, enquanto subíamos o rio, o navio ia em situação de manobras, quartos dobrados e a queimar diesel em vez de fuel. As temperaturas eram bastante elevadas, especialmente a da água de refrigeração que como se pode calcular era a água do rio e que estava uma autêntica sopa.
Eu tinha entrado ás quatro da manhã e tinha feito também o quarto das oito. Eram meio-dia menos dez quando saí para ir fazer a barba e tomar um banho para o almoço.
Descalço, em cuecas e já com a cara toda ensaboada para me barbear quando reparei na lâmpada do candeeiro da casa de banho que se tinha apagado. Imediatamente alerta, percebi a falta de ruído.
Corri escadas abaixo assim como estava, entrei na casa da máquina totalmente ás escuras ouvindo o som do motor principal a morrer, de resto um silêncio sepulcral.
Descia as escadas para me dirigir aos geradores quando ouvi o Lister arrancar, desviei-me e corri para o quadro principal e meti-o ao quadro correndo de imediato para o arranque de umas bombas que ficavam ali perto. O pessoal que tinha arrancado com o gerador como se tinha apercebido da minha presença correu imediatamente para a parte de ré para arrancar com as restantes bombas para o funcionamento dos sistemas essenciais. As máquinas do leme que se tinham desligado arrancaram imediatamente.
A situação foi reposta muito rapidamente. A ideia que eu tenho é que ninguém pensou, foi tudo muito rápido mas a coreografia foi perfeita. Se tivesse sido treinada não teríamos tido aquele resultado.
Investigando o caso chegámos á conclusão de tinha havido uma falha de refrigeração num motor que se mandou abaixo e o outro não aguentou sozinho causando o blackout. Mais tarde soubemos que o navio ia a toda a força e quando se deu a avaria estava em linha recta com o leme a meio que assim ficou trancado. O navio quando chegou á próxima curva foi na altura que a máquina do leme arrancou possibilitando as manobras. Se tivesse sido uns momentos mais tarde teríamos entrado pela selva adentro e possivelmente ainda hoje lá estriamos a tentar arrancar o navio do encalhe.
Foi um belo trabalho de equipa, naquele dia senti-me bastante orgulhoso da minha classe profissional, apesar das guerras existentes tínhamos sido uma equipe.
Em cuecas, com a cara ainda com bastante sabão e com os pés doridos, estava descalço, voltei para o camarote para o tão desejado banho, estava um calor do caraças…

PS. O gerador de emergência não actuou porque estava fora de serviço, tinha “gripado”, o veio de manivelas estava todo rebentado, o navio era mesmo velho.

Jimmy the Sailor

Publicado no SOL no sábado, 9 de Agosto de 2008 13:39

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Uma gaivota disse: