Não consigo precisar o ano nem a minha idade, essas coisas eu esqueço-me muito facilmente. Mas nunca me hei-de esquecer a embarcação que eu fiz.
Sou um indivíduo um bocado ansioso, quando quero uma coisa tem de ser muito rapidamente, faço o impossível para o concretizar.
A história passa-se em Lourenço Marque na antiga província de Moçambique, tinha eu uns 16 anos.
Sempre gostei da actividade marítima e de tudo o que se relacionasse com o mar, a pesca inclusive. Eu nessa altura andava a pescar nos paredões da marginal mas os peixes não eram muito abundantes ou então eu não era assim tão bom pescador como isso. Para resolver a questão das capturas decidi que o que dava era ir para o meio da baía pescar com apenas um pequeno problema, eu não tinha barco.
Depois de dar muitas voltas á cabeça decidi construir uma embarcação para ir á pesca só que não percebia nada de construção naval e também tinha a ideia que se me pusesse a construir a sério levaria um tempo infernal. Tinha que ter uma solução mais rápida.
Talvez influenciado pela descrição da Kon-Tiki me tenha decidido pela construção de uma jangada. Pensei, imaginei e descobri uma fórmula miraculosa. Pegar nas latas rectangulares de galão de óleo lubrificante, uni-las numa plataforma que era uma estrutura feita em madeira e tinha uma bela base de flutuação. Fiz as contas muito rapidamente, eu e o meu irmão pesávamos cerca de 100Kg os dois, éramos jovens e esgalgados, o que daria, contas por alto uma necessidade de cerca de 25 latas para suportar o nosso peso. Para dar forma e mais segurança duas câmaras-de-ar, uma avante e outra a ré. Visto de cima até parecia um barco.
Etapa seguinte era a de arranjar o material, a primeira tinha sido decidida em cerca de ½ hora de discussão altamente tecnológica. Começou então a ronda pelas estações de serviço á procura das famosas lata de galão. Foi um desespero até encontrar a totalidade das latas necessárias. Elas foram todas inspeccionadas para verificação da estanquicidade das tampas.
E começou a construção da tal nave que nós carinhosamente chamávamos de barco. Não existe nenhum documento que mostre ou relate com precisão o produto final mas ficou uma coisa de que eu, na altura, me orgulhei.
Mas faltavam os remos. Depois de uma pesquisa e busca por madeiras compridas para os fabricar, consegui de empréstimo um par de remos de um kaiak.
Eu e o meu irmão olhámos para a nossa obra com orgulho e fomos para dentro, já era hora do jantar. Tínhamos que nos preparar para o dia seguinte bem cedo pois tínhamos que levar o barco ás costas até á praia e faze-lo muito discretamente.
De manhã muito cedo, já acordados, engolimos rapidamente o pequeno almoço, pegámos no equipamento de pesca, saímos de casa e, juntos levantámos o barco, era pesadito e iríamos suar até o levar para a praia, para quem conhece Lourenço Marques teriamos que ir do bairro da Sommershield até á praia, ainda era um bocado.
Já o tínhamos na rua e com ele levantado acima das nossas cabeças começámos a andar. O clank, clank das latas era ensurdecedor até que ouvimos um grito.
- JIMMYYYYY!!!!!!
Minha mãe chamava-me da janela, tinha ouvido o ruído e ido espreitar para ver o que era.
- O que é isso!!!!
- Um barco, mãe!!! Exclamei eu já muito a medo.
Imediatamente a minha mãe estava na rua para “inspeccionar” a embarcação.
- Vocês não dão nem mais um passo!!!!! Gritou ela desesperada. E aos gritos chamou os nossos criados e obrigou-os a desmontar a embarcação e a destruir uma a uma a latas todas. Os cabos cortados, as latas furadas e as madeiras partidas, não ficou nada inteiro.
E nós os dois a olhar desanimadíssimos, não podíamos ir para o mar pescar…
E assim acabou tristemente a história do meu barco.
Ainda hoje, sempre que me lembro desse episódio me rio com a minha maluqueira de construir um barco de latas e fico triste pois nunca o experimentei. Uma coisa é certa, se tivéssemos ido para a água teriam que nos ir buscar de certeza, aquilo de manobrável não tinha nada…
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Uma gaivota disse: