quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Uma triste história

Estava no cantinho das baleeiras no porto de Luanda, esperava a baleeira do meu navio que fazia serviço de lancha, trazer pessoal para terra e apanhava o que estava em terra para o levar para bordo, nesse dia era eu apenas que queria regressar. Eram horas de almoço e estava um dia quentíssimo e eu, á torreira do Sol, esperava pacientemente. Estava com fome e sede.

Vejo aproximar-se uma baleeira mas depressa reparei que não era a minha, era uma embarcação de um navio da CNN que ali estava fundeado há já bastantes meses, esperando por cais. A lancha vinha com algumas pessoas, uma delas chamava a atenção. Tinha cabelo branco e um ar triste.

A lancha atracou e desembarcaram as pessoas, colegas da mesma empresa pois eu também era um dos da CNN. Não conhecia nenhum deles mas ouvi as conversas. O pessoal estava a despedir-se do chefe de máquinas que desembarcava naquele dia, ia para casa, era o seu último dia de marinha, ia-se reformar.
O pessoal dava-lhe palmadas nas costas e dizia-lhe as graças do costume. Ia para casa, as pequenas que tivessem cuidado agora pois havia mais um gavião á solta, ia gozar a reforma, etc etc
O homem de cabelo branco e ar triste disse algumas coisas que não entendi, mais balbuciou que falou. Acabou por entrar numa carrinha ladeado pelo agente para o levar para o aeroporto e seguiu afastando-se dos navios.
Até aquela altura não sabia quem era, perguntei a um deles que me respondeu que era o chefe de máquinas e que finalmente se tinha reformado, que tinha escapado daquela merda toda e que agora podia estar em casa ao pé da família a descansar. Ouvi e o meu olhar seguiu o caminho por onde a carrinha tinha seguido, não me saía da cabeça os cabelos brancos e o ar triste.

Entretanto apareceu a minha baleeira e segui finalmente para o navio, a fome a sede a ocupar outra vez o meu espírito.

Tinham-se passado dois dias depois dessa cena, estávamos á mesa e alguém, chefe ou comandante, não me lembro, comentou:
- Sabiam que aquele chefe que desembarcou anteontem e que foi para a reforma?
- Chegou a casa foi-se deitar e morreu….. Pobre diabo nem um dia de reforma gozou.
Fez-se silêncio na messe. Eu nunca mais me esqueci daquela cabeça branca e ar triste…


Jimmy the Sailor

PS. Não me recordo do nome do navio da CNN e não me lembro de conhecer o nome do chefe de máquinas que desembarcou e morreu. A notícia da sua morte foi assim que a soube e nunca confirmei a história. Espero que este relato não ofenda ninguém ou que não crie nenhum mal-estar.

Publicado no SOL na sexta-feira, 22 de Agosto de 2008 14:47

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