Estive embarcado durante seis meses nesse contracto, depois de regressar á casa mãe, a extinta CNN, como não tinha férias embarquei logo de seguida e estive doze meses no graneleiro Cassinga. Quando desembarquei tinha já acumulado cerca de seis meses de férias e como tal fui convidado para fazer mais uma campanha na Angonave e quis o destino que fosse calhar ao mesmo navio o Joaquim Kapango. Estive nesse navio oito meses.
Como podem ver pelos tempos de embarque e a não existência de férias gozadas o meu estado físico e mental não podia ser considerado do melhor, estava realmente cansado.
A história que vou contar é bastante engraçada pois passa-se na última estadia em Luanda, a quinze dias de viagem para Lisboa onde desembarcaria, estava ansioso e nervoso, queria-me ir embora.
Decidi nesse último dia ir aos correios telefonar para casa a avisar que me ia por a caminha de Lisboa.
Acordei bastante cedo, pedi que me antecipassem a rendição para poder chegar aos correios e estar nos primeiros lugares, naquele tempo faziam-se bichas enormes para telefonar em Luanda. Caminhei apressadamente ao longo da marginal, evitei a esquadra da polícia e cheguei aos correios.
A bicha era enorme, dava uma volta tremenda. Perguntei para que hora poderia fazer a chamada e a resposta foi que só seria possível lá para as 14:30 que com o atraso normal seria por volta das 17:00 e com a agravante que tinha que estar lá na bicha. Pura e simplesmente explodi, dei um pontapé a uma árvore que ainda hoje me dói o pé e não sei como ela não caiu, insultei os digníssimos directores e funcionários dos correios num português que fez corar um grupo de marinheiros gregos. Dei meia volta e voltei para o navio. Eu não andava, dava patadas no chão tal era a minha fúria. Para a compreender é preciso passar os tempos que passei naqueles contratos…
Já estava na marginal dando patadas no chão e não nos esqueçamos que o sol tinha acabado de nascer, era ainda muito cedo, quando ouvi chamar:
- Camarada… camarada…!
Rodei logo como uma pantera á procura da minha presa. Encontrei-a numa varanda, um soldado a hastear a bandeira de Angola.
- Camarada não faz continência á bandeira?... grita-me ele lá do alto.
Parei, respirei fundo e …. Ainda hoje tenho vergonha das palavras que disse. Como o soldado estava na varanda, um 2º andar gritei a todos os pulmões todo um chorrilho de asneiras.
- Pó c*r*lh* a tua bandeira e mais a merda de pais este. Vai-te foder, cabrão...
Digamos que comecei a insultar o soldado e acabei no presidente da república passando pelo país inteiro e mais algumas coisas. Só parei quando me faltou o fôlego. Virei-me e fui-me embora…
Esta atitude foi um aliviar de tensões muito grande pois fiquei mais calminho e por isso um bocado mais racional
- Hummm!!! Acho que exageraste ó Jimmy! O gajo vai dar-te um tiro….
Continuei a andar mas, e juro que é verdade, a curiosidade, não o medo, foi mais forte. Virei-me e fui espreitar para ver o que o soldado estava afazer.
O pobre homem estava de pé, parado, com os braços caídos agarrando a bandeira e olhava vitreamente para mim. Tinha o queixo caído de espanto. Sorri, disse-lhe adeus e fui-me embora…. Realmente não estava na posse da totalidade das minhas capacidades mentais…
PS. Cheguei a casa e passadas 2 semanas embarquei com destino Moçambique durante cinco meses, foi o acordo que fiz com a CNN para me subsidiarem o Curso Complementar.
PSS. No meio do Curso Complementar (1 ano só com ordenado de terra, muito baixo) o Sr. que se dizia 1º ministro na altura decidiu extinguir a CNN e a CTM tendo eu ficado no desemprego e sem o tal subsidio para fazer o curso, subsidio esse por quem eu passei o pão que o diabo amassou para o obter. Bem haja Sr. Mário Soares, coisinha mais incompetente (em relação a assuntos de marinha mercante pois só um ignorante fez o que ele fez)… bem fiquemos por aqui….
Jimmy, Lisboa 7 de Agosto de 2008
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Uma gaivota disse: